sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CHEGADA A HENRIQUE DE CARVALHO

Chegada do Nord- foto de Anselmo Cardão
Cheguei ao AB4, a 20 de Setembro de 1971, uma Segunda-Feira que nunca irei esquecer, era o fim de uma longa manhã de calor, muito barulho e vários sustos, passada entre os TAM da BA9 e o Nordatlas que me transportara por entre caixas de fruta, peixe dito fresco, sacos de frangos e outras coisas que nem consegui identificar.
O meu ar apreensivo arrancou sorrisos ao meu companheiro de viagem já com mais de meia comissão cumprida, enquanto íamos sustendo a carga a cada movimento mais brusco do avião, quando aterrámos ele ainda me disse: Prepara-te para a recepção pouco amistosa, isto depois de eu ter dito que vinha aumentar o efectivo, e não, render alguém com a a comissão já terminada.
À chegada tínhamos uma turba de especialistas, que passavam revista às guias de marcha, para verificarem qual a nossa situação; se vínhamos render alguém, preencher vagas no quadro, ou aumentar o efectivo, assim que me viram a guia de marcha, passaram a outros e deixaram-me em paz que era o que eu mais desejava.
Comando Operacional - foto de Rui Neves
Peguei nas mochilas e zarpei para o posto de rádio que presumi fosse no edifício com as antenas, tinha de entregar rapidamente a alguém responsável pela cifra, o material classificado de um curso de cifra que frequentara e que transportara desde Lisboa, que me obrigara a ir à "António Maria Cardoso", (para os mais distraídos, a sede da PIDE) onde passei horas fechado numa sala à espera que me dessem um questionário e um documento para assinar, onde por entre outros impropérios “jurava por minha honra defender com a própria vida, não divulgar, ou de qualquer outro modo dar a conhecer o conteúdo do curso que iria fazer ou do material que me fosse entregue para utilizar ou transportar” assim como não me separar do mesmo até o entregar pessoalmente aos responsáveis pelas cifras do Comando da 2ª.Região Aérea e AB4. Era o que transportava numa das mochilas e que me obrigara a andar sob escolta e a ir dormir no BCP21, na semana que levei a instruir o pessoal de Luanda, e que tinha sido motivo de desconfiança de toda a gente por me verem sempre acompanhado de dois PA'S que só me largaram quando entrei no avião.
Percorri o corredor do edifício seguindo o som de transmissões em código Morse, e ao espreitar pelo postigo da porta azul blindada, deparei com um sargento com quem tinha trabalhado no Continente, avancei de peito aberto porta dentro com as “imbambas” às costas e estendi a mão atirando com um ar satisfeito por ver finalmente uma cara conhecida,"então como vão essas arbitragens e essa "Bíblia" (tradução) o jornal desportivo "A Bola"?
O sargento, levantou a cabeça do jornal, olhou pelo canto do olho a cara pouco mais que em pânico dos presentes, e disparou: o nosso cabo vai pegar nas "imbambas" dar meia volta, sair e fechar a porta pedir licença para entrar e apresentar-se como manda o RDM, ou então embrulho-o numa folha azul de 25 linhas e dou-lhe o máximo da minha competência!", levantando o jornal, não sem antes voltar a olhar pelo canto do olho, para confirmar, que toda a gente ouvira o que ele dissera.
O autor á porta do Clube
Imediatamente percebi que dera com os burrinhos na água, o único culpado da situação era eu, nunca deveria ter baixado a guarda e o impacto que sofri foi demolidor, peguei nas imbambas, dei meia volta e saí, fechei a porta, abri o postigo e pedi licença para entrar, pousei tudo no chão e fiz a apresentação regulamentar aguardando em posição de sentido. O sargento olhou os presentes com ar dominador, levantou-se e estendeu-me a mão atirando magnânimo:"Então como está o "Puto"? (tradução) pelo seu tamanho minúsculo, o Continente era assim chamado em Angola, mantive a posição de sentido, e deixei arrefecer-lhe o entusiasmo, passados segundos respondi: Cumpri a obrigatoriedade da apresentação como manda o RDM, os apertos de mão guardo-os para os amigos, e afinal enganei-me, pois não vejo aqui ninguém digno desse nome, se não deseja mais nada gostaria de ser dispensado para efectuar a entrega do material de cifra que transporto e da guia de marcha na secretaria do pessoal. O sargento baixou a mão com uma cara de poucos amigos, mas não havia volta a dar, eu tinha feito o que regulamentarmente me era exigido, mas com este gesto irrefletido, acabara de me incompatibilizar definitiva e irremediavelmente com as chefias, o que me conduziria a uma luta solitária incerta, que só acabaria no dia em que saí de Carvalho para Luanda vinte e oito meses e meio depois.

Henrique de Carvalho 20/09/1971
OPC ACO

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